Mayana Zatz
Clonar seres humanos? A idéia, hoje, seria uma loucura. As experiências com animais clonados, depois da ovelha Dolly, mostraram que, além da eficiência baixíssima (ao redor de 1%) da clonagem bem-sucedida, praticamente todos os animais que foram originados a partir de células diferenciadas (ou seja, não embrionárias) tiveram problemas graves: envelhecimento precoce, gigantismo, malformações múltiplas, problemas imunológicos, musculares e muitos outros.
Aliás, um dado altamente relevante é que pelo menos um terço deles teve morte prematura - inclusive a ovelha Dolly. Essa é a razão que levou as academias de ciência de 63 países ao redor do globo a se posicionarem contra a clonagem reprodutiva humana. Acredito que esse é um risco que não podemos (e não devemos, fazendo jus a condutas legais, éticas e morais) correr.
Entretanto, meus caros leitores, não podemos nos iludir. Trata-se de um processo irreversível...
Com certeza, às escondidas, em algum lugar do planeta, há cientistas experimentando. A tentação é muito grande. O sonho da “vida eterna” sempre foi perseguido pelo ser humano. Tanto é que existem “malucos” pagando uma fortuna para ter seu corpo congelado em nitrogênio líquido. Essas pessoas muito provavelmente pagariam também para ter um clone próprio, pela ilusão de ter uma cópia de si mesmo - que “garantisse” a sua continuidade biológica.
Mas enquanto hoje o risco biológico está acima de qualquer consideração ética ou moral, talvez algum dia seja possível clonar seres humanos sem riscos de malformações ou doenças. E, quando essa data chegar, com ela surgirão inúmeras questões éticas: por que clonar? Quem deveria ser clonado? Quem irá decidir?
Podemos imaginar diversas situações. Por exemplo, um casal cujo filho morreu em um acidente, e deseja ter o filho de volta. Sabemos, racionalmente, que um clone nunca será exatamente igual ao original (da mesma maneira que gêmeos idênticos também não o são). Mas e se o filho morto ainda fosse um bebê? Nesse caso, não haveria muito como comparar o clone com o bebê falecido. E ambos, sob os olhos da emoção, seriam idênticos...
Certamente muitos de vocês perguntarão: “por que não ter outro filho no lugar de tentar clonar o que morreu?”. Mas quem somos nós, afinal, para julgar essa atitude? Só quem perdeu um filho sabe a dor que isso representa, - e a vontade imensurável, pulsando em seu peito, de tê-lo em seus braços novamente...
Uma outra situação seria a de uma mulher que não pode ter filhos, porque teve de retirar os ovários ainda jovem devido a um acidente (um câncer, por exemplo). A partir de uma célula diferenciada dessa mulher, seria possível produzir seu próprio clone; e ele seria inserido em um útero – no dela, se tivesse sido mantido - ou de uma barriga de aluguel.
O fato é que o único objetivo desse feto clonado seria o de produzir os óvulos que ela deixou de fabricar; isso porque, no sexo feminino, todos os óvulos são produzidos na fase fetal. Nessa hipótese, a gestação seria então interrompida, os óvulos do feto retirados. Então eles poderiam ser fertilizados por espermatozóides – como ocorre em qualquer processo de fecundação assistida – e, enfim, formariam embriões.
Esses embriões seriam então implantados em um útero, (no dela ou de uma barriga de aluguel) e poderiam gerar um bebê normal. Ou seja: não seria fabricado um clone daquela mulher, mas a técnica de clonagem reprodutiva seria usada para permitir que ela engravidasse. Você acharia isso ético ou não?
Se hoje, em muitos países do mundo, permite-se interromper uma gestação só porque ela não é desejada, pergunto: porque não gerar um feto para permitir o nascimento de um filho? Será que os conceitos de ética serão os mesmos daqui a 20, 30 ou 50 anos?
Mais polêmico seria clonar um indivíduo adulto para ajudar casais estéreis a terem filhos, como defende o médico italiano Severino Antinori. Clonar a mãe ou o pai, eis a primeira questão. Suponhamos que tal resposta venha a partir do “par ou ímpar”, e a sorte determine que o clone será feito a partir de uma célula do marido.
Para uma mulher apaixonada, possuí-lo em “dose dupla” (numa versão mais madura e noutra mais jovem) deve ser uma situação – à primeira vista - maravilhosa.
Mas e se acontecer o contrário? Imagine que o casal se separe, com um divórcio litigioso, depois de muita briga: além de odiar aquele ex-marido ela agora tem de agüentar uma cópia dele?
E se o rapaz conhece aquela moça linda e é uma paixão a primeira vista? Não demora muito, ele a pede em casamento e quer conhecer a sua família. Ela então lhe conta “o” segredo: foi clonada a partir da mãe. E ao conhecer o clone que a originou (30 anos mais velha), o choque é inevitável: “É assim que ficará aquela mocinha linda, trinta anos mais tarde?”.
E já pensaram como se sentiria a pessoa mais velha que gerou o clone ao ver a sua cópia 30 anos mais jovem? Imagino que deve ser como aquela sensação de ver uma roupa em um modelo e se imaginar igual – até que você se vista e se olhe no espelho.
A verdade é que, toda vez que olharmos para os nossos pais e vemos neles características de que não gostamos (rugas, calvície, pneus de gordura, reumatismo), pensamos: isso não vai acontecer comigo! (Quando se é jovem, mais ainda, pois não acreditamos que, algum dia, também ficaremos velhos.)
E se tivéssemos sido clonados? Estaríamos nos vendo 30 ou 40 anos mais velhos. Não haveria como escapar.
Será que no futuro estaremos preparados para isso?
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